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Moda e Comportamento, por Priscila Torquato | Quarta-feira

Cabelos: Tranças vão além de um penteado “do momento”, elas estão carregadas de representatividade

Como as tranças contam histórias e colaboram com o processo de autoaceitação da população negra

Por Priscila Torquato, Agenda News - Petrópolis

Publicado em 07/04/2021 07h48 - Atualizado em 07/04/2021 08h13

Cabelos: Tranças vão além de um penteado “do momento”, elas estão carregadas de representatividade Reprodução/Pinterest
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Que as tranças viraram o penteado do momento entre as celebridades negras a gente já vem acompanhando. Agora, que elas dominaram as ruas.... a gente também já sabia. Hahah! Famosas como Taís Araújo, Cris Vianna, Erika Januza e Iza são fãs do penteado há tempos.

 

Taís Araújo, Cris Vianna, Erika Januza e Isa passeiam por diferentes penteados com tranças/Reprodução/Instagram

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Mas não são só as famosas que se apaixonaram por elas. As madeixas entrelaçadas estão conquistando cada vez mais adeptas e por motivos simples: são lindas, práticas e trazem a representatividade que o povo negro tanto busca.  Para a trancista Fernanda Santos (@anayatrancasoficial) a procura aumentou, também, porque as empresas de cosméticos vêm investindo em produtos específicos para o cabelo afro.

 

“Não só o número de pessoas voltando a usar seus cabelos naturais, como o crescimento de produtos para essa textura de cabelo cresceram nas lojas. Era comum ver artistas com cabelos alisados, acho que a partir do momento que pessoas com grande influência começaram a assumir seus cabelos naturais isso se tornou mais comum, as pessoas passaram a se sentir mais confortáveis com a ideia de que não tem nada de errado com o cabelo crespo/cacheado. Infelizmente ainda ouvimos que usar o cabelo natural virou "moda", mas há um processo de aceitação por trás disso tudo. Não é simplesmente moda.

 

A trancista Fernanda Santos também é adepta das tranças / Foto: Arquivo Pessoal

 

Além do penteado

Ao se olhar no espelho você percebe que suas características físicas estão em harmonia com o que você sente?  Muitas vezes por imposições sociais não nos damos conta do quanto estamos nos afastando de nós mesmos, não é? Esse tipo de relação é muito comum na sociedade, principalmente se pensarmos na vivência do negro.

 

Por anos os negros tiveram suas identidades ceifadas pelo racismo, pelo autoritarismo e pela intolerância alheia. Essa supressão custou caro. Muitos se perderam no caminho. Para entender como o processo de autoaceitação está relacionado ao modo como usamos os cabelos, conversei com a psicóloga Nathalia Nara Coutinho do Nascimento (CRP - 05/47883) (@psinathalianascimento). Ela faz um trabalho direcionado ao público feminino, ao negro e ao LGBTI+.

 

“A partir das vivências que a pessoa negra tem cotidianamente e, em diversos ambientes ela internaliza o racismo e passa a acreditar que realmente é como as pessoas a apontam. Como, frequentemente, ouvem que seu cabelo é feio entendem que realmente é feio e, podem buscar recursos para modificá-lo, como alisar”, explica Nathalia.

 

Buscar nossas origens e nos ver “naturais” pode ajudar no processo, se você está em busca disso. O racismo distorceu a visão que o negro tem de si mesmo e isso pode explicar essa atitude de “renegar” os próprios traços.

 

“Quando a pessoa consegue assumir seus cabelos naturais mostra que ela conseguiu se enxergar como pessoa preta, “tornar-se negro”, como diz Neusa Santos Souza no livro de mesmo nome, de 1982. Ela explica a complexidade da pessoa negra em busca de identidade em uma sociedade em que tudo é construído baseado na branquitude”, reforça a psicóloga.

 

A psicóloga Nathalia Nara Coutinho do Nascimento explica a relação dos negros com os cabelos / Foto: Arquivo Pessoal

 

Vivendo e... se conhecendo
As mudanças de comportamento que vem acontecendo no mundo nos últimos anos trouxeram à tona um universo de possibilidades para a população negra. O reconhecimento do mercado em expansão e das oportunidades comerciais que as empresas perceberam criaram um ambiente perfeito para que os cabelos fossem soltos e exibidos como deveriam: ao natural e do jeito que cada um quiser mostrar. 


Amanda Ramos de Oliveira é cabeleireira, maquiadora e influencer (@amanndamake). Hoje em transição capilar, nos revelou que ainda na infância teve os cabelos alisados. Naquela época não podia se posicionar, era uma criança, mas hoje com a experiência em beleza, adquirida trabalhando em salões, e querendo se redescobrir, não “abre mão” de um visual contemporâneo e que a deixe feliz, acima de tudo.


“Em um processo de autoconhecimento tomei a decisão de viver a transição capilar. Eu sou cabeleireira e preciso ter novas experiências. Hoje temos mais recursos para cuidar dos cachos e cabelos crespos. E já passei por situações de preconceito porque alisava o cabelo. As pessoas não entendem o que você passa com tanto racismo enraizado na sociedade. Só hoje mais madura e passando por uma desconstrução, posso desapegar dessas ideologias e ter novas experiências”, revela Amanda.


Amanda nos contou ainda que já perdeu oportunidades de trabalho porque alisava o cabelo. Ela já utilizou diversos tipos de cabelo: com aplique, bem lisinho, ondulado e tranças. A influencer já entrelaçou as madeixas por três ou quatro vezes.


“Eu trancei os cabelos a primeira vez em 2014. Fiz porque queria me ver diferente. Adorei a experiência e trancei de novo recentemente. É bom a gente se ver em outras versões, né?”, conta a influencer.


Amanda é adepta da liberdade capilar. Ela revelou que se permitir ter novas vivências é o que a move. A transição não é tarefa fácil. Lidar com a autoimagem é delicado, tem altos e baixos. Mas ela aconselha que é preciso persistir, se você tem esse objetivo.


“Às vezes as pessoas falam que eu tenho que deixar o cabelo de um certo modo, mas eu acredito que cada um faz o que tem vontade de fazer. Somos livres para decidir nossas vidas. Quero viver essa experiência da transição para me redescobrir. Pode ser que eu goste, pode ser que não. O importante é fazer o que você se sente melhor”, diz Amanda.

Amanda adora mudanças no cabelo / Foto: Reprodução Instagram

 

Moda e comportamento

Existe uma infinidade de tipos de tranças. A escolha vai depender do que você busca no seu dia a dia. Entre os penteados mais pedidos estão:

 

Box Braids

Tranças soltas feitas com alongamento e por isso podem ir do corte chanel ao longo;

 

Tranças Nagô

São feitas junto à raiz dos cabelos e formam diferentes desenhos. Podem ser feitas apenas na parte de cima da cabeça acompanhando o couro cabeludo todo ou, ser incrementada com fios sintéticos e alcançar o comprimento desejado;

 

Twists

Esse penteado é feito com apenas duas mechas de cabelo torcidas, diferente das tranças tradicionais que usam três pedacinhos de cabelo entrelaçados. Segue o mesmo método das Box Brads. Podem ser acrescidas de cabelo sintético para dar volume e alongar, ou não.

 

“As tranças tem suas raízes na pré-história, e foram sendo transmitidas de geração em geração até os dias atuais. Eram usadas tanto por homens quanto por mulheres. Cada penteado expressava um significado, dependendo da idade, condição social, religião... Na época da escravidão, aqui no Brasil e em países da América Latina, as tranças foram condutoras de mensagens. As mulheres trançavam umas às outras, desenhando mapas para encontrar o caminho nas fugas para os quilombos. As tranças também eram usadas para esconder arroz e outras sementes para que pudessem se alimentar’, explica a trancista Fernanda Santos.

 

Estar antenado com a moda e seguir tendências é lindo, mas é importante ressaltar que quando o assunto é o cabelo do povo negro, vamos além. É necessário se discutir o processo de aceitação dos cabelos “afro” para garantir a saúde mental da pessoa e, essa mudança começa pela revisão do racismo que ainda se faz presente em nossa sociedade.

 

“Se a pessoa ainda não tiver passado por esse processo, ela não conseguirá se aceitar, ainda que tenha cabelo natural ou use penteados afro. A pessoa que não se reconhece negro ou não se aceita, também sofre racismo e isso vai gerar efeitos negativos na saúde emocional, porém como a percepção dela ainda é disfuncional isso vai dificultar que ela consiga lidar com esses efeitos, bem como que consiga identificar situações em que sofreu racismo e agir no seu enfrentamento, também gerando um ciclo de mais prejuízos”, conclui a psicóloga Nathalia Coutinho.

 

Então a dica de hoje é para você se aceitar do jeito que você é. Com tranças, com cachos, com cabelo ou sem... Com o tipo de penteado que mostra a sua alegria e personalidade. Se olhe no espelho e perceba quem você é e não esqueça: TENHA MODUS! O seu modus!



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Priscila Torquato é jornalista e consultora de Imagem e Estilo. A ‘Tenha Modus!’ é um espaço democrático, acessível e livre de qualquer forma de rotulação e pré-julgamentos. Aqui falamos da liberdade de ser! De ser você, de ser do seu jeito! Do seu modus! Mídia Social: Instagram





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